quinta-feira, 22 de abril de 2010

Noturno de Bolaño

Essa é uma das resenhas vencedoras do concurso Bolañomania, da Companhia das Letras. Trata de Noturno do Chile, de Roberto Bolaño. Ela possui falhas, mas posto aqui como enviei pra eles.

A palavra noturno pode significar várias coisas: alguém cuja vida só se dá quando o sol se põe; uma obra de arte executada à noite ou inspirada nela; algo que evoque a escuridão.

O narrador de Noturno do Chile é o devoto padre, poeta e crítico literário Sebastián Urrutia Lacroix. Ele está em seu leito de morte, quando percebe na porta a silhueta de alguém a disparar-lhe ofensas e acusações, causando um distúrbio em sua consciência. A partir de então, o personagem dá início a um monólogo verborrágico e febril, buscando no que restou de suas memórias – sua entrada no seminário, seu encontro com intelectuais, escritores e poetas, o golpe de estado do general Pinochet – uma justificativa para seus atos e seus “silêncios eloquentes” naquele período cinzento.

Já no regime militar, é oferecido a Sebastián um trabalho peculiar: dar aulas de marxismo ao general Pinochet em pessoa. O ditador questiona se Allende era realmente o intelectual que afirmava ser, enquanto que ele próprio, Pinochet, vivia entre livros e escrevia exaustivamente. Porém, Sebastián logo percebe a desbotada realidade: no andar de baixo de uma casa onde uma escritora realizava festas e encontros frequentados pela intelectualidade chilena, seu marido torturava opositores do regime. À vista de todos, culto e inteligente. Por baixo, o terror personificado.

É este contraste entre a fala e os atos dos personagens que forma o grande tema da obra Bolaño. Todos são, de uma forma ou outra, obcecados por conhecimento, portadores de vasta cultura. Contudo, é nessa cultura que o horror melhor se incorpora – e nela se camufla.

Ao discutir a atividade e inutilidade da literatura diante do terror absoluto, Bolaño atinge um impasse: seus personagens vagueiam como sonâmbulos; vivos, mas entorpecidos pela sombra da escrita. Entretanto, e paradoxalmente, o tempo todo parecem afirmar ser essa a única atitude possível para o escritor: evocar a escuridão através das letras. Até a exaustão.