sábado, 21 de maio de 2011

Notas esparsas sobre Coetzee, de nada pra lugar nenhum.

Em À Espera dos Bárbaros (1980), o narrador, um velho magistrado vivendo na modorra de uma pequena cidade fronteiriça de defesa contra “certos bárbaros”, atormentado pela impotência sexual e por um estranho afeto por uma jovem bárbara recém capturada e torturada, decide levar a moça de volta para seus companheiros. Animado por finalmente conseguir descansar e colher água após dias viajando sob um inverno lancinante, o magistrado enfim sente seu sangue correr com as investidas da jovem, cegada após ser torturada pelos chefes do magistrado. Depois do sexo, ele dorme como uma criança em cima dela. Acorda no meio da noite com uma estocada de terror: sua mente está vazia. 

Ele tenta compreender o elo que o liga àquela mulher bárbara, selvagem, com o corpo coberto de cicatrizes. Indaga-se: é mesmo ela que ele deseja ou são esses traços da História marcados no corpo dela? Não chega a nenhuma conclusão; os pensamentos, repetitivos e cíclicos, tornam-se opacos e perdem o sentido. Ele a puxa para si; ela dorme um sono profundo e sereno, para o qual ele também logo desliza novamente.

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Em Verão (2009), uma das mulheres que prestam depoimento sobre o falecido personagem John Coetzee revela que o grande projeto de vida e obra dele era refrear quaisquer impulsos irracionais, potenciais fontes de violência, “direcioná-los para a escrita”, e, como diz Elizabeth Costello, “salvar sua alma”, numa espécie de tomada de posição perante o mundo. Essa tomada de posição, em muitos dos personagens de Coetzee já previamente estabelecida no começo do livro, será conquistada em À Espera dos Bárbaros senão com extrema violência, quando o magistrado é arrancado do conforto de seu quarto, seus discos, seus livros, e jogado no olho do furacão de medo e paranoia, com sérias consequências físicas e morais (ainda que, em certa medida, inúteis). Mas a posição é irretratável uma vez que consolidada. 

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A estocada de terror do magistrado ao perceber sua razão enuviada pode significar muitas coisas. Uma delas: o medo de ser guiado por impulsos, ou o medo de surpreender-se sem sua ferramenta para ordenar o mundo. Uma das causas que levaram o narrador ao turbilhão de caos do qual sempre manteve-se distante foi a vontade (leia-se: um bobo senso de justiça) de devolver a jovem bárbara a sua tribo, em detrimento de seus confusos sentimentos pessoais por ela. Chamar de amor esses sentimentos seria talvez precipitado: antes foram as cicatrizes no corpo dela – talvez, sempre talvez – que despertaram o seu "desejo estupidificado" (e Coetzee sempre embaralha desejo e amor, ainda que saiba e goste de dinstinguí-los lá do alto de sua desenvolvida consciência racional). Mas nem disso dá para ter certeza. E, para complicar, nada impede que isso seja uma modalidade amorosa. Apaixonar-se pela injustiça: tanto mais fácil enquanto vir em belas curvas feridas.

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A conquista de uma posição ética sempre parece implicar, nos personagens de Coetzee, numa incapacidade de lidar com impulsos, dentre eles o amoroso ou sexual. Tanto é que seus protagonistas são sempre "sem-graça", duros. Uma consequência disso é a enorme falta de jeito para relações sociais e suas convenções, e aí também entra o jogo da sedução. O amor em Coetzee, ao menos o amor sexual entre humanos, só aparece ensaiado, sempre encurralado por digressões infrutíferas, e na prática nunca dá certo - quando não termina em desastres ridículos, patéticos.  Sempre pelo medo da mente em branco.


domingo, 15 de maio de 2011

Wallace Stevens

The immense poetry of war and the poetry of a work of the imagination are two different things. In the presence of the violent reality of war, consciousness takes the place of the imagination. And consciousness of an immense war is consciousness of fact.