quinta-feira, 25 de abril de 2013

Nabokov, Wilson e as contingências do mundo

É de manhãzinha e leio a correspondência entre Vladimir Nabokov e Edmund Wilson, a participação fundamental que Wilson teve na vida de Nabokov, recém chegado aos Estados Unidas , as muitas discussões sobre a língua russa, os desentendimentos divertidos, as dificuldades para ganhar dinheiro com literatura. O blurb na contra-capa: quando os mestres sentam pra conversar carregam o ar com todo tipo de pirotecnias. Sim, é uma maneira talvez inevitável de ler essas cartas, mas minha relação com esse livro foi outra. As menções à doenças sempre aparecem como detalhes desimportantes, um desejando ao outro que melhore logo, que as respectivas família consigam viver bem e que possam se encontrar logo. Isso até o fatídico ano de 1964. Depois, há um hiato de sete anos graças à famosa crítica de Wilson à tradução de Eugene Ogenin de Nabokov. Os dois rompem a amizade.

Mas esses vastos sete anos, no livro, são representado por um espaço normal entre uma carta e outra, o enter apertado duas vezes no teclado do editor, e o cabeçalho da carta seguinte, do ano de 1971, completa essa elipse dramática, esse desdém da tecnologia "livro" com Tempo. A penúltima carta, a de 1971, revela que Nabokov releu toda a correspondência entre eles, ou seja, leu o livro que acabo de ler, e nas suas poucas palavras para Wilson dá pra sentir o coração pesado e a idade avançada, após a leitura dessas cartas que contém quase uma vida inteira, pondo as coisas em perspectiva. Em seguida há a última carta, a resposta de Wilson escrita cinco dias depois, onde ele tenta restabelecer a amizade contando sobre seus projetos literários, mas na verdade ele e sua esposa estão doentes, Wilson sofrera um enfarte e sua mão direita não funciona muito bem. Então, na próxima página, ao invés de uma nota dos editores com informações sobre o falecimento de Nabokov, de Wilson, ou de ambos, páginas e páginas de índice remissivo, onde o leitor pode escolher que parte de uma vida compartilhada ele se sente a fim de rever.

Foda-se esse livro. Tomo um suco na cozinha, penduro roupas no varal, tento calcular quanto tempo eu ainda tenho. Da janela vejo uma briga entre duas velhinhas que costumam passam o dia em frente a TV. Berram uma na cara da outra, vai embora, pode ir embora se quiser, tu é uma velha esclerosada, ninguém te quer aqui, deveria morrer logo.

Se fosse possível escrever cartas eu te listaria as escassas possibilidades que ainda me restam num dia desses, nem você nem a internet teriam que lidar com mais um post de blog, e o mundo estaria livre de todas as contingências.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Whosoever is able to see the circuits in the synthesized sound of CDs or in the laser storms of a disco finds happiness

                                                                                               *
  



1) "Pesquisadores brasileiros criam carro que anda sozinho": a construção da frase como causa do acidente.
2) O jogo de cintura do cinegrafista num momento de tensão: no instante derradeiro ele precisa desviar o nosso olhar (a câmera): a pressão do momento crítico não paralisa o seu reflexo de velar pela estabilidade e normalidade sacrossantas da manhã dos espectadores.
3) O olhar estarrecido de um boneco inexpressivo.
4) A expectativa da aparição do homem que controla o boneco não se resolve. A voz continua sendo a do personagem. O ilusionismo estremece, mas não pode, não deve ruir.
5) O shift entre uma câmera e outra, que filma o boneco assistindo a imagem filmada pela primeira. O espectador não é mais o espectador, que em decorrência de 4)  adquire as feições impossíveis do boneco.
6) A linha de som da interferência do microfone sublinhando o clímax suspenso: uma coda expressando os diversos canais oficiais entrando em parafuso, homens diante de monitores brigando uns com os outros, se levantando e jogando seus headphones na mesa.
7) "The sky takes on content, feeling, an exalted narrative life".

egopress #1

- Escrevi uma resenha longa sobre "A morte do inimigo", de Hans Keilson, para a edição de abril de 2013 do Jornal Rascunho.

- Como não tinha avisado antes, vai agora mesmo: fiquei em segundo lugar no I Concurso de Resenhas do Todoprosa, com um texto sobre "Mãos de cavalo", de Daniel Galera. Sim, foi há mais de dois anos atrás, mas é sempre bom avisar que o troço existe, mesmo que a execução me pareça hoje terrivelmente tosca.