domingo, 25 de fevereiro de 2018

poesia e dinheiro


Uma alucinação bem carioca.
Toda palavra
de todo livro de poesia contemporânea
que abro
é feita de dinheiro.

Essa jovem poeta
acaba de publicar seu primeiro livro
e terminar o segundo.
Longe dos trens
onde o mapa é o território
onde tudo já foi nomeado e tudo é familiar
faz dos bairros da costa sul
ilhas desconhecidas uma antiga carta náutica

Num bar em Botafogo, centro das atenções,
Perde o equilíbrio,
Ri, cambaleia e me confidencia
não me sinto feliz como deveria

Mas ao publicar seu primeiro livro
Salta na Central do Brasil.
Vai pegar um trem pela primeira vez
ramal Japeri
o maior e o que mais a afastará
do teatro do mundo.

No meio da multidão da Central
sorri para não se destacar.

Na janela do trem a paisagem
é marrom-tijolo
Será o mesmo céu?
Inseparável do azul do mar
aqui ele se aparta bem da terra
que judia.

Vai em pé como se dançasse
uma dança desajeitada no meio do vagão.

E se a estranheza que tanto busca
não viesse justamente
de coisas bem familiares?

Passou uns minutos em Deodoro
e voltou a Botafogo.
Na cafeteria da livraria
relaxa os músculos
e o mundo se desdobra como uma carta náutica

O dinheiro
nasceu como figura de linguagem:
a cédula era a metonímia
para o ouro enterrado no subterrâneo do reino.
Livre da ganga material
o dinheiro reencontra suas origens
na poesia. Ambos valem por si.

Poesia brasileira contemporânea
e sua relação com o Capital no século XXI
simpósio na PUC-Rio
segundo semestre de 2020.