sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Olhos e dentes


São óbvios os riscos de escrever sob o recente impacto que um livro causa em você. A exaltação pode resultar em um texto sentimentalista e recheado de lacunas. Mas vou correr esse risco e somente apontar para uma pequeno detalhe, pois o livro pede um ensaio muito maior e detalhado.

Terminei de ler Cachalote, de Daniel Galera e Rafael Coutinho há poucos minutos. Em jornais e entrevistas Brasil à fora, foi dito e redito que se trata de várias histórias que não se cruzam. Eu não concordo. Claro, não se cruzam da maneira como os persongens de 21 Gramas o fazem, mas a relação aqui é de outra natureza, muito mais sutil. Estão todos vagando solitários mesmo quando há um oceano de gente ao redor deles. Mas não é só isso.

O livro começa com uma senhora, solitária e grávida, aguardando o momento do seu filho vir ao mundo. Ela mergulha numa enorme piscina e fica flutuando. Seu filho também flutua em águas uterinas. Ela sente uma tensão na barriga e eis que emerge da água uma gigantesca baleia. A senhora afaga enternecidamente a enorme cabeça do animal, cujos olhos me pareceram terrivelmente tristes.

A solidão parece conter dentro de si o embrião da violência, tanto física quanto emocional. Mas as fronteiras que separam esses dois tipos são porosas, e enquanto um personagem solitário morre de medo de machucar o primeiro amor da sua vida, frágil como um pequeno vaso de plantas, este por sua vez precisa da crueldade, precisa quebrar. Ao mesmo tempo, um casal separado, aparentemente tranquilos com sua condição, deixa entrever na vasta distância entre os dois um vislumbre da vida que não nos é mostrada - e onde acontece um embate silencioso e novamente solitário.

Não vou falar mais sob medo de estragar o final ou mesmo empurrar personagens cuja graça está precisamente na lentidão com que chegam até nós. Eu só queria atentar para os dentes afiados da enorme cachalote de olhar melancólico, encalhada numa praia. Se os personagens não possuem opção a não ser arreganharem os dentes uns aos outros, eu não senti raiva, pois não pude deixar de fitar os seus olhos.