terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

WPP

(interlocutores omitidos)

– Eu me achava velho quando escrevi na internet anos atrás:
“Sofra, mas sofra logo, antes que existam contas a pagar”

Quando sofrer era na internet
Ou para a internet
Ou diante da internet
“Sofrer”
A diferença entre hoje e então 

Além de não se precisar mais ir ao sofrimento
É que então sofria-se, por assim dizer, 
De forma desengonçada e espaçosa.
E hoje, justamente quando ela é onipresente e onisciente,
Eu começo a senti-la como um mero objeto
Que se usa ou não.
Um troço que existe no mundo assim como caneta e cortador de unha
Que se usa ou não.
E meu sofrimento na Internet sai espaçoso e desengonçado,

Um estagiário precarizado, grisalho
Batendo ponto na Internet.
Aqui, adolescentes são os funcionários do mês.

– Já que você não quis vir jantar comigo, 

Prometi a mim mesmo que comeria sozinho. 
Realmente sozinho.
Mas cá estou, digitando essa mensagem.
Na mesa ao lado, uma moça mexe no celular.
Onze da noite e ela com celular e coca-cola e um prato de peixe 

Intocado,
E ela chorando com os polegares como se jogasse Game Boy.
Afasto esse climão pré-fabricado de solidão urbana
Quando um senhorzinho com camisa da CBF começa a gritar
 putaria 
Na calçada, resolvendo meu problema.
Signos de solidão urbana engolidos por signo maior.
O mundo deu um passo para trás
E você aguente o textão.

– Tem-se tentado entender o Eu na internet com jargões paulistanos
Marketing Pessoal, Social Media
Todo mundo se vendendo o tempo todo
Se é de graça, você é o produto
Assinamos todos um pacto 
em troca de existência e narração
E tudo o mais.
Que seja, mas para existir
Tem que saber mostrar a sua irrelevância no bom sentido
No sentindo engraçado
No sentido internet
O que acontece na sua vida offline é irrelevante
Quanto mais deprimidos mais internet, sim.
Mas tem que ter tem e tem que pá.

– Não aguento mais peixe morto. 
Ser ignorado me faz pensar em cartas. 
Uma carta é lenta e lúdica, enquanto nós somos imediatos,
Você disse uma vez.
Olhe uma carta por muito tempo 
E a nossa troca parecerá ficção científica, realmente.
Mas carta era ponte entre alma e texto.
(Ainda que essa chuva nos iluda com miragens de pontes sob nós)

Enquanto nós nos escondemos. 
Na carta, esconder-se custava caro.
Aceito que tenha havido quem preferisse não atravessar a ponte 
Parar no meio do caminho, encostar na beirada 
E contemplar as águas correndo lá em baixo
Feito um suicida.
Uma vida escrevendo mensagem de texto

Retirando do bolo de traumas de infância
Estratégias e técnicas de desvio de atenção,
Como se obrigasse seu mensageiro a atravessar o Império
Carregando notícias falsas e incendiando pontes.
Como não se sentir esvaziado,
Sugado de vida, de alma
Depois de uma vida sabotando pontes
Com precisão militar?
É esse o desperdício.
Não é o tempo, é isso que se perde.

– Olha, difícil saber.
Achei esse um bom parâmetro, aliás:
Ela sofre na internet ou não?
Tempo!
Ela posta sofrimento e pede sentimento
Ou posta felicidade na internet?
Felicidade é sempre mais sutil

Em se tratando de alma.
Porque a internet vira a ponta de um iceberg
Que por descomunicação e arrogância esbarra em você
Como ingenuidade, tosqueira.
Hoje, que Internet não é feita por curadoria própria,

Erguida nas adjacências da própria alma? Não a sua.
Ela, não sei se sofre, pois não posta.
Tem a vibe, mas não posta.
Difícil essa idade sofrer sem postar.

- “Escrever cartas é na verdade se envolver com fantasmas; não só o fantasma do destinatário mas também o fantasma de si próprio. Pode-se pensar em alguém distante e pode-se agarrar a alguém que está perto – todo o resto está além das nossas forças. Escrever cartas, por outro lado, significa expor-se aos fantasmas, que estão ansiosamente esperando por isso como famintos. Beijos escritos nunca chegam ao seus destinos; são bebidos pelos fantasmas no caminho. É esse amplo alimento que os possibilita se multiplicar. De maneira a eliminar esse poder dos fantasmas e conseguir alguma comunicação verdadeira entre humanos, foram inventados trens, carros, aviões – mas não adianta mais. Os fantasmas inventaram telégrafos e telefones; estão calmos e mais fortes. Eles não morrerão de fome, mas nós pereceremos."

– Falemos claramente.
Talvez você, seus nervos,
Tenha captado os índices do meu corpo que dispus aqui.
Assim como achei que houvesse processado os teus.
Mas estamos nos domínios do fantasma. 

Não me peça mais isso.
Na idade média, signos mágicos eram inscritos em papéis
Que, ao serem ingeridos, curavam doenças.
Comer um signo é absurdo?

Por acaso se come alguma outra coisa?
Papéis, mágicos ou não, são fáceis de colocar na boca e engolir.
Se isso te parece um absurdo
Que dirá de nós, que nem comer inscrições do nosso corpo

Nós podemos?

– Ingenuidade, sim, 
Porque no fundo a sua raiva diante dessas pessoas,
Tão ingênua quanto a ingenuidade que você critica,
É porque elas não dominam as ferramentas tão bem quanto você. 
Mas quem domina quem? 
Você as está usando ou sendo utilizado? 
Daqui, o que vejo é o seguinte:
Você foi obrigado a dominá-las. 
Percebendo desde cedo que viveria para sempre aqui,
Foi preciso aprender a apertar os botões da maneira certa
Unicamente para que a interface respondesse
Mais ou menos de acordo com a sua vontade. 
E foi longo o aprendizado. 
Sua adolescência, você não tem coragem nem de lembrar. 
Antes de reclamar, pense nas suas origens, 
Pense no seu aprendizado,
No quanto você foi completa e irreversivelmente 
dominado.

2 comentários:

  1. Olá,

    li mais de uma vez seu ensaio sobre Delillo publicado no Jornal Rascunho. Estou com um ensaio sobre Henry James pronto. Gostaria de saber se você conhece algum lugar, além do Rascunho, ou se conhece alguém no Rascunho, ou se queres ler meu ensaio e sugerir alguma coisa quanto a ele, posso entrar em contato com você por email.

    Abs,

    Pedro Cunha.

    ResponderExcluir
  2. oi, Pedro

    pode me mandar um e-mail (no menu à esquerda) ou me procurar no Facebook que eu te passo o contato.

    Abs

    ResponderExcluir