segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Ver a violência


Então, uns italianos estão desenvolvendo um jogo sobre manifestações de rua, violência policial, black bloc etc, inspirado nas muitas manifestações pelo mundo. O jogo é em estilo pixelado da geração 16bits e, até onde sei, é o primeiro que se vale, diretamente, dessa experiência.

Daí a Wired italiana realizou um festival onde o jogo foi apresentado num painel chamado “Pixel, coquetéis molotovs e black bloc: um computador para compreender a inquietação social”.

O secretário do sindicato da polícia italiana ouviu a notícia e enviou uma carta ao prefeito de Milão, onde conclama um boicote ao jogo (ainda mais, diz o secretário, considerando que um dos patrocinadores do evento foi a Audi, “cujos carros”, ainda segundo ele, e na deliciosa tradução do Google Translator, “são aqueles preferidos por revoltosos onde enfiar bombas e então uivar comerando”.)

Nada de novo em quererem proibir algo por acreditar que esse algo incita a violência. Mas o curioso é que, na carta, a menção não é a qualquer violência, mas sim a violência “contra policiais”, especificamente.

Sem nem considerar a violência geral e familiar de metade dos jogos que saem por ano, ainda resta uma lista interminável de jogos onde há o choque de algum tipo de ‘rebelde’ com uma ‘polícia’. Nenhum deles, me parece, jamais chamou atenção de nenhuma força de segurança. Sobrou pra um jogo ainda em desenvolvimento, cuja mecânica mal foi revelada, e do qual só temos algumas imagens. Por ser, diretamente, sobre desobediência civil.

Fica claro que, pro chefe do sindicato de polícia italiana, certos temas – não certos jogos, não certos objetos culturais, não certas artes – certos temas deveriam ser proibidos e pronto.

Não consigo imaginar nenhuma autoridade reclamando de um filme sobre manifestações que, por exemplo, fosse montado só com imagens gravadas por celular, com a câmera tremendo na correria, com os gritos, com aquela realidade toda vazando. Já me parecia que a tal estética ‘nua e crua’ é um código exaurido, ao menos em sua superfície mais imediata de instigância, urgência e verdade, e ao menos na cabeça mesma de quem deveria ser o alvo. É só ’arte’, é só ‘política’, é só retórica revolucionária batida, só desperta a vontade de desobediência em quem já tem. De maneira bastante geral, esse códigos já foram naturalizados faz tempo, e essa estética se autodecifra muito rapidamente pra permitir alguma experiência desviante.

Nesse ponto é preciso mostrar pra quem não conhece o que é um jogo pixelado. Veja no fim do texto o sprite da polícia, olhe o manifestante.

Não dá pra dizer de outra maneira: o poder que tem um pixel. Numa época em que, pra quem acompanha, saem por ano uns 40 jogos que emulam os saudosos gráficos do Super Nintendo e do Mega Drive, a ponto de já estar cansativo, temos cisudos oficiais poderosos engatilhando armas por causa de um jogo em estilo meio retrô.

Segundo o secretário, não é um ‘frame específico’, mas sim a mecânica que é o problema. Eu acho que não: sim, é uma mecânica que te coloca no lugar de alguém tacando um coquetel molotov, segundo foi noticiado (embora, aparentemente, também dos polícia), mas a interface para essa experiência vai ser a do pixel. É um polícial e um manifestante em forma de pixel. Não dá pra ser mais visível do que isso.

Está cada vez mais difícil pra polícia mandar um c’mon, there is nothing to see here.