segunda-feira, 23 de abril de 2018

Literatura e escapismo

Kenneth Burke disse há muito tempo: Literatura é [nada senão] equipamento para a vida. É preciso estar equipado quando se viaja e também, talvez principalmente, quando não se sai de casa. Uma vez, anos atrás, quando ainda viajava, pedi indicações de livros de ficção que tivessem a ver com o lugar aonde eu ia. Então uma pessoa me disse: ler em viagem é perda de tempo e dinheiro, é preciso aproveitar os lugares. Sempre me lembro disso, e me lembrei hoje, ao esbarrar nesse trecho de Alice Munro: “Odiava quando usavam a palavra fuga para se referir à ficção. Podia argumentar, e não apenas de brincadeira, que a vida real é que era uma fuga.” Desato agora esse nó. Invejo quem, munido só da sua pessoa, sua carcaça e pensamentos de sempre, tiques e velharias, consegue acreditar estar bem equipado. Talvez esse seja um aspecto do turismo: se desequipar de tudo para acreditar ir ali mudar rapidinho de vida. De todo modo, nem é preciso fugir para tão longe. Sem equipamento é fácil ser turista até na própria cidade, na própria casa, no próprio corpo.