quinta-feira, 9 de junho de 2016

Para Helena da operadora NET

Oi, é ele de novo.
Como você pode esquecer a cada duas horas
quem há semanas ouve sua voz
e te diz não?
Ou talvez você só queira ouvir a minha?
Ouvir não todos os dias
e sentir, como um apaixonado,
a autoestima baixar na mesma medida
em que cresce o sofrimento engrandecedor?
À minha voz parece não seguir
necessariamente a memória de mim;
Talvez seja que não existe isso de non sequitur quando se ama.
É disso que se trata, no fundo, então, Helena?
quando você me pergunta se eu “amo” estar conectado
e vem me oferecer maior capacidade
de velocidade, conexão mais estável
e promoções de pacotes infindáveis
de dados a fim que eu diminua todas as distâncias
imagináveis entre mim e pessoas queridas,
objetos de obsessão remota,
tragédias e tristezas patenteadas, correndo em cabos corporativos
no fundo do oceano
chegando ao meu braço em riste, cara iluminada
e desembocando no meu sangue?
De fato, eu bem poderia ser
sua vítima perfeita. Sua voz é bonita e sou
um funcionário do mês exemplar,
recebo o pagamento direto na veia.
Só que, para mim, são outros tempos,
então não ligue novamente, Helena.
É vício, não amor.
E assim como o viciado é um refém,
essa será sempre a condição
daqueles que decidirem, infelizmente,
analogicamente, eliminar a distância até ele.
Já que você ouve bem, vou explicar
por que me ligar não vale a pena.
Uma dia, Helena, quando eu estudava alemão
chegou a minha vez num jogo; fechei os olhos
e uma amiga colou na minha testa um post-it
com a palavra Dichter. Todos aprovaram
a dificuldade e a ironia da palavra
em relação ao tema “Arbeit”, trabalho.
– Sind meine Hände wichtig?
– Natürlich! Du arbeitest mit deinen Hände!
– Arbeite ich zu viel?
– Das kommt darauf an.
– Erhalte ich viel Geld?
– Nein, kein Geld.
Kein Geld, Helena,
mas não por eu estar aqui distribuindo
as ironias de ser-me oferecida
mais internet
– por overdose de sentido eu não morro –
em versos,
enquanto eu poderia
(diz a fórmula de um CEO para ficar rico na internet)
[Limpa a garganta; ruído de telefonia sucateada]:
“pegar um desejo humano,
preferencialmente um que exista há muito tempo...
e usar a tecnologia para simplificar tudo.”
E sim porque justamente peguei um desejo humano
que existe há muito tempo, e que
flui na forma simplicíssima, altamente tecnológica
de luzes e sons. Eu o peguei como a uma doença,
e o organizo aqui como ele o foi
[Ruído de mídia obsoleta]
da primeira vez, milênios atrás, precisamente de forma a
existir uma tecnologia
que fosse capaz de cantá-lo
através desse teu nome antigo,
Helena,
e o que ele destruiu e criou.