quinta-feira, 28 de abril de 2011

Minúscula apreciação de Infinite Jest para não iniciados

[edit 2015: êê velharia do caralho]

A primeira coisa que vem à mente quando penso em David Foster Wallace é a palavra contemporâneo, que eu uso aqui num sentido restrito e puramente pessoal: tem a ver com situações cotidianas que são experienciadas de forma autoconscientemente obstrutiva; séculos de conhecimento, arte, clichês, experiência, esvaziamento, ironia - tudo amontoado em seres humanos cujas consciências já estão mais do que saturadas com o peso da mesmice e obviedade de todas as coisas. 

A experiência de ler David Foster Wallace é, primeiramente, assistir minha consciência representada; é ter o vislumbre do gigantesco e inapreensível iceberg de pensamentos que se esconde abaixo das mais insignificantes posturas perante o mundo. Chamo simploriamente de contemporânea por eu nunca ter antes visto essa complexa rede da relações pensamentos/atos tratada antes como estrutura, como forma, como problema. Ela sempre pareceu ser um elemento, não a própria base de sustentação de tudo. Antes de qualquer definição mais abrangente, é a absoluta certeza de que o que estou lendo consiste num problema de uma geração e época específicas, que sou eu ali enquanto indivíduo pensante no século XXI (imagino os russos do século XIX lendo Os Irmãos Karamázov.) 

Ler Infinite Jest, então, é ler problemas de processos de raciocínio e de consciência elevados ao extremo a partir das vozes de drogados, adolescentes prodígios, deformados, assassinos e muita, muita gente dita “comum.” São dezenas, centenas de personagens, mas todos são tratados igualmente nas suas vidas interiores - mentes hiperconscientes num mundo saturado de informação e de pontos de vista e de proteção irônica contra a seriedade dessas informações e constante recessividade do pensamento sobre a autenticidade desses próprios pensamentos, etc, etc. O livro é uma explosão de coisas seríssimas (no sentido incessantemente ironizado no dia-a-dia), acontecendo; aquelas que, no final de contas, são as que realmente importam quando todo o resto cai por terra, coisas que só são levadas a sério pelos outros se expressadas com o devido distanciamento irônico. Não há ironia, por exemplo, na morte de um ente querido, no que essa morte faz conosco, na depressão. Mas não é preciso ir tão longe, a coisa é facilmente transferível para problemas menores e cotidianos, de se querer simplesmente conversar seriamente sem toda uma mesa revirar os olhos e realizar minuciosos estudos de guardanapo. A ironia só existe na comunicação, mas, enquanto indivíduo solitário que sente, não há ironia, e é justamente sobre isso que se ergue Infinite Jest. Como já disseram, um tremendo desintoxicante de ironia. 

Todos esses temas são potencializados pelo fato da história se passar num futuro próximo, onde o mundo foi completamente engolido pelo entretenimento comercial que, segundo o Wallace, é o que atrofia (quando consumido em grandes doses; ele compara o entretenimento a uma barra de Toblerone) a capacidade de expressar sentimentos reais e genuínos. Ler Infinite Jest é, portanto, assistir a um coração enorme tentando desesperadamente comunicar algum -- qualquer -- tipo de sentimento minimamente relevante e humano para outro ser humano, enquanto, no fundo do palco, desenrola-se um apocalipse moral, social, comercial, filosófico e excruciantemente individual. 

É evidente de que não se trata de “ser legal com o próximo”. Antes de tudo, é literatura – como adjetivo e como substantivo. Há um cuidado minucioso com a linguagem, os personagens, com os conflitos, com tudo que uma boa literatura exige. Não há uma frase preguiçosa em mais de 1000 páginas. 

Mas é uma tragédia, um livro muito triste. Os personagens são abandonados em situações de extrema dor e impotência, sempre em relação a incomunicabilidade e suas consequências. No fim, há um oceano de acontecimentos que não são mostrados, mas que foram progressivamente sendo sugeridos ao longo das muitas tramas paralelas, e que só podemos, agora, imaginar (não temos escolha). A experiência final, então, é de que há um novo livro a ser lido, e ele terá de ser lido mentalmente, o que potencializa e complica tudo que fora lido antes, já que o leitor sabe que há mais do que foi narrado, e, assim, na última página, aquele mundo, como uma fotografia, congela-se em antecipação diante da tsunami que se anuncia. Como o livro tem mais de 1000 páginas e se pretende um mundo contido em si mesmo, de ter autoreferências o tempo todo, nada mais natural que ele continuasse, projeto numa linha imaginária além da contracapa. 

Tanto os admiradores mais ardorosos quanto aqueles que precisam suportar esses admiradores tagarelando sem parar sobre o monumento impossível que é esse livro – todos eles sabem que existe algo que une todo fã do David Foster Wallace. Eles exclamam exultantes, emocionados, em qualquer lugar público, quebrando sem dó um certo decoro literário ultrapassado. A culpa reside no fato que a palavra contemporâneo nunca foi melhor utilizada. A conversa acaba sendo como uma constante e engraçada tentativa de confirmação de todas essas questões levantadas, os fãs deslumbrados tentando confirmar uns com os outros se a experiência dele foi parecida com a do outro. Duvido que haja algum leitor sério de Infinite Jest que não compartilhe minimamente desse gregarismo, e somente daí partirão quaisquer considerações críticas e analíticas. Por mais sofisticada que sejam, elas germinarão da beleza que emerge a cada página, da solidão de tantos pensamentos revirando-se sobre si mesmos, paralisados; e do lado negro de algumas das coisas espertas e engraçadinhas que todo mundo faz, todo santo dia.

sábado, 23 de abril de 2011

Teste

OK, este é um post pra dividir os antigos textos dos novos, portanto imaginem ele como uma linha enorme tipo assim _____________________________________________